terça-feira, 24 de janeiro de 2017



"Fascinam-me os gestos antigos e floreados dos senhores das retrosarias, mas não só. Nas pastelarias, por exemplo, também existem senhores delicadíssimos, de pinça de bolos permanente na mão, alheios ao mundo e entregues à preciosa missão de verificar, tabuleiro por tabuleiro, se os bolos estão bem arrumados, se é preciso encostar melhor os pastéis de nata , se os queques estão juntos com os bolos de arroz, se as empadas precisam de espaço entre si, se os folhados estão dispostos da maneira mais certa e sedutora ou se algum tabuleiro já pode «ir para dentro» deixando um espaço mais confortável aos bolos em exposição. De cada vez que entro numa destas pastelarias demoro ao balcão, hipnotizada pelo mistério daqueles gestos, pelo amor dispensado aos pastéis e, acima de tudo, pela dedicação de uma vida inteira assim vivida atrás de um balcão de doces e salgados.
Com atenção, percebe-se sempre quem tem verdadeira paixão por aquilo que faz. Melhor, quem tem o dom de se entregar ao que faz e de pôr em cada gesto o melhor de si mesmo.
Há pouco tempo, na pastelaria da frente, enquanto um dos senhores de calças pretas e camisa branca arrumava cientificamente os bolos, outros, mais velho, de pulsos quebrados e finos, lavava o tabuleiro da máquina do café. Com extrema delicadeza, segurava e lavava um tabuleiro de aço inoxidável e desinteressante como se se tratasse de uma peça única de cristal. E foi o gesto deste senhor velho, cansado e seguramente pouco recompensado, que me fez lembrar todos os outros. Aqueles anónimos a quem devemos a elegância e o enlevo de sermos tratados como príncipes, sendo a eles que pertence a coroa."

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